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Re:SAGA 2017: Sérgio Peixoto, o mestre dos animes e mangás

Por Leonardo Figueiredo e PH Dias 

Sérgio Peixoto em sua palestra no Re:SAGA.
Em meados de 1994, uma faísca iluminou o que seria o vasto caminho para a cultura nerd brasileira. Com a chegada do anime Cavaleiros do Zodíaco na Manchete, o interesse por animes e mangás cresceu de maneira exorbitante. Se hoje nos entretemos com sites e canais no YouTube, a opção mais proveitosa e acessível de 20 anos atrás era colecionar revistas que falavam do seu anime favorito. 

Revistas como Animax e Anime Ex foram algumas das responsáveis por encher os olhos dos fãs daquela época. O que elas tinham em comum? O jornalista e escritor Sérgio Peixoto, um verdadeiro especialista em mangás e animes. Sérgio, hoje com 54 anos, também ajudou no desenvolvimento de eventos como o Anime Con e outras revistas como Mega Man e Japan Fury. Também tem um blog pessoal, o Animax Maganize, em que aproveita para perpetuar sua paixão pela cultura japonesa.  

A lendária revista Animax
Ele esteve palestrando no primeiro dia do Re: Saga 2017, em Natal, e de modo extremamente amigável cedeu uma entrevista ao Caderneta Nerd, na qual falou sobre suas experiências, como enxerga o mercado editorial brasileiro e como foi testemunhar o crescimento da cultura nerd no Brasil. Confira: 

Quando você iniciou sua carreira profissional, como foi que descobriu que a cultura nerd seria seu foco?

Sérgio: Na verdade, eu costumo dizer que fui empurrado para esse meio. Não fui eu que escolhi. Porque desde que eu me entendo por gente que sempre cruzei com coisas relacionadas a animes e mangás. Quando eu tinha cinco ou seis anos, apareceu na minha casa uma revista de horóscopo, que tinha uma ilustração de uma menininha de mangá. E como eu era uma criança na época, eu me apaixonei pelo desenho ao ponto de ficar chamando a ilustração de “minha namoradinha”. Sério! Foi ali que começou. No início de 1969, passamos a ter televisão lá em casa e eu assistia muitos desenhos que se pareciam com a minha “namoradinha”. Eu fiquei curtindo esses desenhos até meados de 75 e depois disso – de modo cármico – entre 75 e 78 eu estudei no bairro da Liberdade, em São Paulo, onde a cultura japonesa é muito forte. Foi aí que eu descobri que os desenhos que eu gostava eram todos de origem japonesa, só que apenas em 85 que eu descobri que existia um clube de pessoas que curtiam quadrinhos japoneses em São Paulo. Eu participei desse grupo e juntamente com eles, em junho de 86, fiz a primeira exibição de desenho animado japonês da história do Brasil. Dentro desse clube eu também conheci alguns profissionais da área editorial e, como eu já queria ser roteirista na época, comecei a fazer alguns bicos editoriais. E com isso eu fui crescendo.

Você falou em sua palestra que os animes ficaram populares no Brasil após a estreia de Cavaleiros do Zodíaco na Manchete. Como você vê o consumo de animes e mangás atualmente em comparação com os anos 90 e o início dos anos 2000?

A diferença daquela época para hoje é a Internet. Só. Não tínhamos Internet naquele período e por isso a gente valorizava mais o que tinha. Porque era difícil conseguir as coisas. Quando é difícil, você valoriza mais. Não é que as pessoas de hoje valorizem menos, mas é que elas têm fácil acesso e por isso talvez não tenham tanto apego quanto os fãs dos anos 90. Se você queria ser fã de anime e mangá no Brasil nos anos 90, você tinha que comprar mangá na Liberdade em japonês, por sorte algum título em inglês – se achasse – e desenho animado só se um amigo seu que morasse no Japão enviasse por correio. Hoje temos a Internet. “O episódio do meu desenho saiu ontem? Então cadê a legenda que não tem ainda?”. Sentiram a diferença? No meu tempo era: “Olha! Tá em japonês, mas a cópia é boa e demorou só 2 meses para chegar! Meu primo trouxe de avião!”. Hoje em dia com dois cliques se resolve. A geração atual talvez devesse ter sofrido um pouco mais para aprender a dar mais valor e alguns ainda se acham no direito de julgar a obra ou a editora. Lembrem-se: é um produto. Podemos cobrar de um artista, mas não de um produto comercial. 

Na sua opinião, o que levou Cavaleiros do Zodíaco a ter tanto sucesso?

Se não tivesse sido Cavaleiros, com certeza teria sido Dragon Ball, Yu Yu Hakusho ou qualquer outro anime que estava disponível na época. A diferença é que Cavaleiros chegou em uma época em que a gente estava há uns cinco anos de “secura”, porque o último anime que fez sucesso entre a gente foi Akira, no final dos anos 80. Mas teve também outro fator que fez A DIFERENÇA (sim, enorme): o bonequinho veio junto. Pela primeira vez você tinha o desenho passando na TV e o bonequinho para comprar na hora, se você quisesse. Se tivessem trazido qualquer outro com o brinquedo agregado, o efeito, a febre, o delírio teriam sido os mesmos que foram com Cavaleiros. Cavaleiros teve uma chance de ouro que foi devidamente aproveitada. O desenho tinha todos os atrativos: tinha uma história legal, um objetivo heroico, era fácil de entender e tinha um bonequinho para comprar. O que mais uma criança pode querer para ser feliz, não é mesmo? Foi a primeira – e na verdade a única vez – que pudemos sentir o gostinho que o japonês tem de todo ano ter uma série nova e ter todos os produtos ao alcance da mão. E o brasileiro gostou desse gostinho. Inclusive tiveram que trazer bonecos que sobraram na Europa dentro de um Hércules (avião gigantesco) para dar conta do Natal, pois os estoques aqui tinham acabado. Um avião fretado, cheio de bonecos de Cavaleiros, para dar conta do Natal e nem assim foi suficiente. Tiveram casos de crianças que foram internadas porque ficaram sem o boneco do Seya. Goku não teve isso, pelo que eu saiba. Nem Sailor Moon, nem Yu Yu. A despeito de eu não ser fã do anime, Cavaleiros me rendeu um bom dinheiro. Foi um dos meus melhores momentos aqui no país.       

Cavaleiros do Zodíaco foi o pontapé inicial para o grande público consumir animes e mangás no Brasil


A cultura nerd cresceu bastante no decorrer dos últimos anos. Hoje é possível ver eventos geek em praticamente todo o Brasil e você é um dos criadores do Anime Con. Como é acompanhar esse processo e perceber a gigante proporção que essa cultura alcançou?

É tão bom quanto era nos anos 90 e 80. Naquela época a palavra “nerd” era um palavrão. Me chame de filho da p***, mas não me chame de nerd! Era assim! Com o tempo o significado da palavra foi amaciando e hoje somos aceitos como um seguimento da sociedade um tanto quanto “excêntrico”. Meus pais não achavam bom eu gostar de anime e mangá, só vieram a se conformar quando comecei a ganhar com isso. Apenas isso já foi uma vitória para mim. O que nós temos hoje é – de novo – a Internet. Ela facilita tudo, une corações de um lado a outro do mundo. Paulo Francis, que escrevia maravilhosamente bem, disse algo que é uma das pedras angulares do meu trabalho: a Internet vai colocar o Brasil no Primeiro Mundo na marra. E é o que aconteceu. Ela deu a muitos brasileiros a oportunidade de ir ao Primeiro Mundo sem sair de casa. Alguns escritores brasileiros fizeram fama lá fora graças à Internet. Todos têm a ferramenta nas mãos, basta saber usar.

O que você recomenda para as pessoas que sonham em ser roteiristas e desenhistas de mangás? Porque em sua palestra você mostrou que o panorama editorial brasileiro não está muito amigável atualmente.

Não posso dar uma falsa ilusão. O fato é que, infelizmente, poucas editoras investem. E as poucas que investem querem arrancar seu coro e pagar amendoim. Não acho que seja o caminho certo. Porque o cara vai te cuspir fora assim que terminar de mascar. Para ele, você é um chiclete: quando ficar sem sabor, ele cospe e pega outro. Eu já vi isso dúzias de vezes em São Paulo. Teve um trabalho que eu demorei um ano e meio para ver o dinheiro. É meio que “eu pago a você quando eu puder”. Esse é um problema na parte profissional, na parte mercadológica. Outro problema, que expliquei na palestra, é que o brasileiro não dá valor ao trabalho nacional. Então as oportunidades são mínimas, é um tentando engolir o outro. No final, acaba ficando não quem é o mais competente, mas sim quem cobrou mais barato. É isso o que a editora quer saber. A maioria dos editores no Brasil não leem o que publicam. Sério! Já vi editor falando que tinha coisa melhor para fazer do que ler. Tão entendendo como isso não faz sentido? Alguns editores se consideram elite e tratam os escritores com desprezo. “Você é escritor? Eu te pago para você escrever o que eu quero”. O caminho é pesquisar a editora, conversar com profissionais da área, veja até o balanço do caixa da empresa se for possível. Conhecimento é poder. Aí você pode achar uma editora que vale a pena arriscar.

Alguns animes clássicos perseveram até hoje. Temos, por exemplo, Dragon Ball Super e a Netflix anunciou uma nova série de Cavaleiros do Zodíaco para o ano que vem. O que você acha dessa persistência?

Não apareceram artistas bons o bastante para substituir os antigos. Simples assim. Nós temos um segundo Akira Toriyama? Temos um segundo Togashi? É mais fácil um raio cair três vezes no mesmo lugar do que você conseguir um segundo Togashi. A geração atual está crescendo jogando videogame. Que tipo de história um jovem da atualidade vai conseguir contar? Toriyama cresceu brincando no mato, em uma vila pesqueira na costa do Japão. O Toriyama é proibido de viajar de avião, por contrato. E se o avião cair? O medo de perder esses caras é absurdo, pois se eles morrerem não tem quem colocar no lugar. Ou a geração atual não é boa o bastante, ou não está madura o suficiente. Todas as editoras estão desesperadas à procura de novos talentos e não estão achando. Falta pouco para os artistas se aposentarem, daqui a dez anos a maioria já vai ter parado. E aí? O que vai ter de sobra? Poucos artistas atuais conseguem vender, nenhum deles está no Top 10 de venda de mangá. Não tem sangue novo à altura.  

O livro de Sérgio Peixoto


Você escreveu um livro sobre mangás. Pode falar um pouco sobre ele?

Eu chamo de livro, mas tecnicamente é um almanaque. É o Mangá do começo ao fim. É uma coletânea de matérias que eu já tinha publicado e transformei tudo como se fosse um corpo só, então transformei em um almanaque. Eram matérias que falam sobre como o mangá foi desenvolvido, o mercado. Fiz um panorama histórico e fui destrinchando no livro, como por exemplo sobre a queda de vendas dos mangás no início dos anos 90 no Japão, que coincidiu com a chegada da Internet, com a chegada de videogames bons. Esse é um dos livros que quero publicar novamente, só que dando uma bela atualização.  

Um comentário:

  1. Um aprendizado imenso ganhei por estar presente na palestra. Um Grande profissional e muito inteligente. Só pude ouvir e aprender, nada mais.

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