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“Nunca deixem os seus maridos controlarem o seu dinheiro, muito menos as suas vidas”

Coisa mais linda, a nova série da Netflix, conta a história de quatro mulheres muito diferentes, mas que vivem um drama em comum: se afirmar independentes em uma sociedade machista

[ALERTA DE SPOILER]
POR FRANCISCA PIRES

Coisa Mais Linda (Foto: Divulgação)
Popularmente conhecido como “anos dourados”, a década de 50 no Brasil serviu de cenário para diversos acontecimentos relevantes, como o nascimento do movimento musical chamado Bossa Nova e o crescimento dos festivais de música. É nesse contexto, em 1959, que se desenrola a trama de Coisa Mais Linda, não por coincidência, na Cidade do Rio de Janeiro, em clubes de jazz, samba e bossa nova.

Protagonizada por quatro mulheres de realidades completamente distintas, o enredo destaca as dificuldades vividas por cada uma e entrelaça o destino delas em prol do objetivo de conseguir ser livre mesmo sendo mulher. Malu (Maria Casadevall) é uma dona de casa e mãe paulista que, ao se mudar para o Rio de Janeiro, descobre que foi abandonada pelo seu marido, o qual fugiu com todo seu dinheiro e deixou para trás todos os planos do casal, além de uma grande dívida com um contrabandista de bebidas da cidade.

Longe de casa e do seu filho, Malu se vê completamente sem saída e acaba se envolvendo em um acidente doméstico ao queimar as roupas de seu ex companheiro. No entanto, sua vida é salva por Adélia (Patrícia Dejesus), empregada doméstica que também é mãe de uma garota de oito anos e que se torna amiga e sócia de Malu, sendo ela uma das peças chaves da história. Responsável pela criação de sua irmã mais nova e de sua filha, Adélia cresceu trabalhando duro para sustentar sua casa, além de ser vítima diariamente do racismo nas ruas e, principalmente, no seu ambiente de trabalho.

Dispostas a dar uma guinada em suas vidas, Malu e Adélia fazem uma sociedade e abrem o clube de música “Coisa mais linda”, no centro da cidade. A proposta do lugar é unir os mais diversos tipos de música e pessoas. Sem distinção de classes, raças ou gênero, o ambiente causa um rebuliço diante a sociedade carioca, a qual é ainda muito conservadora. São inúmeras as dificuldades enfrentadas por elas para abrir o negócio e mantê-lo. Apesar de todos os esforços, segundo a visão de muitos, o local passa a ser sinônimo de imoralidade.

Personagem Malu, interpretada por Maria Casadevall (Foto: Divulgação)

Ainda que mal visto por boa parte da sociedade, as amigas dão continuidade ao negócio e provam dia após dia que mulheres podem ser empreendedoras, cuidando tudo da melhor forma, sem precisar ter nenhum homem por perto. Porém, elas contam com a ajuda de outras duas mulheres também muito fortes que buscam, a todo custo, se impor como donas de suas vidas e de suas carreiras, são elas: Lígia (Fernanda Vasconcellos), amiga de adolescência de Malu e Thereza (Mel Lisboa), cunhada de Lígia.

Lígia sempre foi apaixonada por música. Mesmo sendo dona de uma voz inesquecível, como inclusive é citado em uma das cenas, ela tinha resolvido abandonar sua carreira para cuidar do seu casamento e do projeto de ter filhos. Sua decisão foi influenciada pelo seu marido, um político muito machista e agressivo que a mantinha em um relacionamento abusivo, o qual a agredia fisicamente e psicologicamente todos os dias. Além do comportamento destrutivo dele, Lígia também era vítima de sua família e do ciclo de amigos que os rodeavam. Sempre muito pressionada a atender as expectativas de ser uma boa esposa na época, ela resolve fazer tudo diferente e, impulsionada por suas amigas, abdica a vida que levava em busca de seu grande sonho: ser uma cantora famosa.

Thereza, por sua vez, é mais moderna, considerado o contexto da época. Vivendo um relacionamento mais saudável que as demais, e livre para defender suas ideias feministas, ela é a única jornalista na redação em que trabalha. Por causa disso, enfrenta diariamente o machismo presente no ambiente e precisa se esforçar muito mais que os outros colegas de profissão para conseguir conquistar seu espaço. Thereza é bem resolvida em seus relacionamentos e exerce com vigor seu direito de viver as mais diversas experiências acerca de sua vida, corpo e sexualidade, porém, o fato de não conseguir ter filhos a impede de se sentir completamente feliz.

Reunião das quatro amigas no clube Coisa Mais Linda (Foto: Divulgação)

A série conta com um cenário baseado em grandes pontos turísticos do Rio de Janeiro, praia e clubes. As histórias desenvolvem-se em paralelo, alguns fatos ocorrem na parte mais rica da cidade e outras em locais periféricos. Ademais, é possível destacar um aspecto religioso muito forte quando algumas cenas retratam a aparição de Iemanjá e as personagens passam a rezar constantemente pedindo por sua proteção e intervenção.

Sob a benção da protetora das mulheres, Iemanjá, cada personagem traz consigo as dores vivenciadas por serem quem elas são ou desejam ser. A dominação masculina é um fato que precisa ser combatido todos os dias, até mesmo nos meros detalhes. Ainda que tenham ganhado vida cinquenta anos atrás, Adélia, Malu, Thereza e Lígia têm muito o que ensinar para a sociedade brasileira nos dias de hoje. Mostrando as diferenças entre a luta feminista branca e negra, violência doméstica, abusos no ambiente de trabalho, assédio, racismo e diversas outras formas de misoginia, a série Coisa mais linda dá uma aula sobre sororidade e empatia, ensinando que a sua liberdade, de fato, só importa quando você consegue libertar as demais.

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