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Humor de fases

Seja no banco da praça ou na internet o humor na televisão brasileira se transforma e se torna ferramenta de engajamento e crítica social


*Por Evandro Ferreira

Equipe do programa Tá no ar, última temporada (Foto: Crédito Globo/Estevam Avellar)

Na noite do dia 24 de abril de 1984, o Brasil vivia momentos de extrema expectativa, o motivo desse sentimento - espalhado pelo país - era a votação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que aconteceria no dia seguinte. A proposta tinha como intenção pôr fim ao trágico intervalo 20 anos sem que os brasileiros pudessem escolher o presidente da república por meio do voto direto.

Toda essa euforia que tomava conta da sociedade já tinha sido expressada pelos movimentos populares das Diretas Já. E que, depois de um certo tempo, contou também com o apoio da imprensa brasileira não apenas na cobertura diária das passeatas, mas também com ações como a que o ocorreu no Jornal da Globo do mesmo dia 24.

Durante o início do telejornal, a apresentadora Leilane Neubarth leu a primeira notícia da noite: “Jornalistas protestam contra a censura [pausa] no Chile”. O presidente João Figueiredo tinha determinado medidas de reforço à censura prévia às emissoras de rádio e de televisão, sendo proibida a transmissão ao vivo de qualquer informação sobre os movimentos.

No final da edição, aconteceu algo que podemos simbolizar como uma das fases marcantes do humor brasileiro. O humorista Jô Soares, sem dizer uma palavra, acionou um cronômetro e o deixou ligado por 30 segundos, enquanto olhava sério para a câmera. A sua coluna no noticiário sempre foi de análise e crítica do cenário político da época.

Jô Soares em crítica ao cenário político (Foto: Memória Globo)

O tempo passou e o humor se tornou ainda mais uma ferramenta de oposição das ideias e de subversão ao governo vigente. Até mesmo em tempos de democracia, como era feito pelo grupo Casseta e Planeta, também da Rede Globo, que ironizava diversos políticos, incluindo Fernando Henrique Cardoso e Lula.



E sem falar em formatos como Pânico na TV (Rede TV e Band) e Custe o que Custar (CQC) que além de satirizar o mundo das celebridades - no caso do Pânico em seu auge -, investigava, denunciava irregularidades em obras públicas e, é claro, fazia humor. Mas o tempo passa e o humor na televisão brasileira retoma a antigas fórmulas como forma de se manter no conforto.

E esse humorismo fácil que existe na televisão brasileira encontra seu maior representante no A Praça É Nossa do SBT. Programa que existe desde 1956 e que já se chamou Praça da Alegria e Praça Brasil e que já esteve na extinta TV Paulista, Tv Bandeirantes e agora na emissora de Silvio Santos.

Programa A Praça é Nossa (Foto: Divulgação)

Sua forma é simples: um senhor sentado em um banco de uma praça qualquer, lendo seu jornal e recebendo a visita de vários personagens. E mesmo depois de 63 anos, esse conjunto de elementos simples agrada a todos e consegue a liderança isolada na grande São Paulo nas noites de quinta-feira.

Mas agora os tempos são outros; a internet se tornou um dos ingredientes cruciais para aquilo que se faz de humor na televisão, como também no cinema e qualquer mídia social. Os memes, que tanto fazem rir e resumem uma situação de contexto social notável, é um instrumento democrático já que todos podem fazer um meme sem muitos esforços de redação, bastando ter um mínimo de criatividade e o produto para hitar, ou seja, fazer sucesso na rede.

Com a guinada avassaladora da sociedade brasileira para a direita, na política e nos costumes, o humor se reinventa e passa a tecer observações sobre essa nova fase do Brasil retrógrado. O programa A gente riu assim, uma espécie de retrospectiva do humor feita pela TV Globo, com todos humoristas da casa, teve como última esquete um panorama do ano cuja cena final foram duas mãos dadas e a frase "ninguém solta a mão de ninguém", em uma referência direta ao movimento de resistência surgido após a vitória do presidente Bolsonaro.

Esse mesmo segmento que atira para todos os lados fazendo piada do que está em voga, também mira a própria televisão. É o que faz o Tá no ar: A Tv na Tv, também da Globo, que cria piadas prontas para viralizar. Recentemente, o programa apresentou uma versão militar da Vila do Chaves, série da concorrente SBT, com críticas ao novo presidente do Brasil. O vídeo tomou conta da internet, na última terça-feira, 15, gerando comentários de pessoas de todas as ideologias. O Tá no ar está em sua sexta e última temporada com um legado de profundas mudanças no cenário do humor brasileiro.



O que não pode deixar de ser dito é que toda arte é revolução e, sendo o humor uma das grandes formas artísticas, não pode estar desvinculado aos movimentos da sociedade, seja para onde o pêndulo for. Com essa dinâmica, a piada nunca fica desgastada e o negro, a lésbica, o gay, o gordo e a mulher deixam de ser o alvo da anedota. A consciência de classe deve existir, seja no riso, na tristeza ou na incerteza.

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