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Colette

A mulher que escreveu um pedaço da França

*Por Manuela Torres



“Faça as asneiras que for, mas faça com prazer”. Essa é apenas uma das inúmeras frases capazes de descrever o pensamento de Sidonie-Gabrielle Colette, a mulher que, no início do século XX, levou ao ápice da literatura francesa ideais de ousadia e destemor. 

Em uma sociedade europeia onde a irreverência pertencia apenas às horas mais escuras e secretas da noite, a jovem francesa, crescida em um lar pacato no interior da Borgonha, foi quem trouxe desafios morais para uma tarde no parque ou uma fila no banco. Por toda Paris, a todo o momento, liam-se as aventuras de “Claudine”, a personagem que deu vida a várias memórias da adolescência da escritora e também inicio à sua carreira.

A fama adquirida com as obras, no entanto, não foi para Colette. O marido, Willy, um renomado editor literário de Paris, que tinha por hábito gastar mais do que ganhava, era quem assinava os romances escritos por ela. Por questões financeiras o casal não podia arriscar produzir livros escritos por uma mulher, e, dessa forma, toda a genialidade de Colette foi mantida em segredo por muitos anos. Isso, porém, nunca a impediu de ser uma figura de destaque. Onde quer que fosse, Colette chamava atenção por sua forma de ser pouco ortodoxa, seu corte de cabelo inovador para a época e sua ausência de medo em ser singular. Seu casamento com Willy foi marcado por diversos casos extraconjugais de ambos os lados, os quais, por parte de Colette, ocorriam, sobretudo, com outras mulheres. Esse tabu da homossexualidade também foi levado a público por ela quando esta deu início à sua carreira teatral e passou a se apresentar em diversas casas de show da França. 

O divórcio ocorreu em 1905, após Willy ocultar de Colette a venda de todos os direitos autorais de suas obras. Para suprir contas geradas por gastos exaustivos, como também para atingi-la, visto que na época ela já levava um caso firme com um homem transexual, o que era minimamente aceitável na época por este atender pelo título de Marquesa de Belboeuf. Com o fim do casamento, Colette passou ainda muitos anos junto da Marquesa e escreveu mais dezenas de romances. Em 1912, tornou a se casar, dessa vez com um escritor de contos e peças teatrais e editor de um conceituado jornal da França. Foi também nesse período que a escritora se envolveu em seu maior escândalo, tanto na literatura com a publicação de "Chéri" em 1920 –, quanto na vida pública, quando foi descoberto seu caso com o filho do marido, muito mais jovem de que ela. O romance Chéri falava sobre a iniciação sexual de um adolescente com uma mulher mais velha e isso foi o suficiente para o matrimônio acabar, em 1925.


Contudo, anos antes, com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, em 1914, Gabrielle doou uma propriedade sua na Normandia para servir de Hospital Militar, atitude que lhe atribuiu o título de Cavaleiro da Legião de Honra e também o de melhor escritora francesa de todos os tempos. 

Até a data de 3 de agosto de 1954, Colette escreveu sobre a vida urbana marginalizada, sobre os boêmios e sobre tabus sociais. Tomou como protagonistas de suas obras prostitutas, homossexuais, artistas e uma série de pessoas pouco prováveis. Foi, dessa forma, representante de uma série de movimentos sociais e pôs em suas obras, toda a literatura doce da vida no campo, toda a paixão de suas relações, todos os questionamentos da moral hipócrita social e toda a ousadia necessária para se viver. Ao se casar, não se intimidou pela idade e condição do marido; ao chegar em Paris, não se acanhou por vir de um interior; ao escrever, não se conteve em dizer aquilo que a França precisava ler. 

Colette foi uma mulher, escritora, atriz e cometedora de erros vanguardistas, muito além do seu tempo. Apesar da desaprovação da Igreja, ela teve seus restos mortais concedidos as honras fúnebres nacionais, além de uma promoção à Oficial da Legião de Honra, como também diversos prêmios e aprovações em academias de letras. Hoje, Sidonie-Gabrielle Colette está imortalizada em suas obras e seu pensamento ainda serve de inspiração para diversos apaixonados pelos prazeres do sentir.

Um filme homônimo sobre a sua vida estreou nos EUA em 12 de outubro de 2018.

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