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Vidro – Crítica

Uma ode aos quadrinhos e às histórias de origem 

*Por Léo Figueiredo 

Pôster do novo filme de Shyamalan,Vidro

Plot twist é uma ferramenta narrativa que muda o rumo de um enredo. Como um mágico atraindo a atenção para uma mão, quando o grande truque está na outra. Esse artifício é a assinatura mais famosa de M. Night Shyamalan, a qual o alavancou para o sucesso e que é predominante em muitos de seus filmes. Contudo, ao longo dos anos, o cineasta indiano acabou se tornando refém desse utensílio, transitando entre o oito e o oitenta. Ou você ama, ou odeia suas obras. E Vidro não escapa dessa equação.

A expectativa era grande. Com a boa repercussão de Fragmentado, seu suspense/terror de 2017, Shyamalan voltou aos holofotes depois de algum tempo nos bastidores. E o final da história de Kevin Wendel Crumb (James McAvoy) e suas 23 personalidades prometeu ao público uma das maiores reviravoltas da cinematografia do diretor: o encontro com o universo de Corpo Fechado, filme de 2000.

A Trilogia Corpo Fechado – também chamada por muitos como Trilogia do Trem 177 – é peculiar por diversas razões. Ela subverte o gênero de super-heróis, trazendo um pioneiro realismo em Corpo Fechado, um drama psicológico intenso em Fragmentado e finalmente abraçando a causa em Vidro, sem largar o pilar do verossímil. Ambientado 15 anos depois do primeiro filme, Vidro mostra um David Dunn (Bruce Willis) experiente em seus atos heroicos, já famoso pela cidade e procurado pelas autoridades. David está em busca da Horda, título que a mídia atribuiu às diversas identidades de Kevin, incluindo a Fera.
 
David Dunn se tornou um herói experiente em Vidro (Foto: Divulgação)

No entanto, assim como ocorre em outras obras de Shyamalan, a trama se passa boa parte em um único lugar: o hospital psiquiátrico comandado pela psicóloga Ellie Staple (Sarah Paulson), especialista em tratar pessoas com distúrbio de grandeza por acreditarem que possuem poderes além da capacidade humana. Dessa forma, ela coloca em cheque as habilidades de David, a Fera e Elijah Price (Samuel L. Jackson) – o Sr. Vidro –, que também se encontra na instituição.

Analisando os pontos fortes do filme, Vidro é surpreendente. Reapresenta o personagem de Bruce Willis e seu filho, mostra a nova rotina da Fera; e o embate entre o herói inquebrável e o inimigo animalesco é de encher os olhos. James McAvoy está mais envolvido que em Fragmentado, exibindo personalidades inéditas, cada uma com um tom de voz e movimento corporal distintos (muitas das trocas acontecem em um mesmo take, dando espaço para o ator se destacar). Samuel L. Jackson também se dedica em sua performance e é prazeroso ver sua ameaça crescente no segundo ato do filme.
 
Samuel L. Jackson se entrega à vilania de Sr. Vidro (Foto: Divulgação)

A palheta de cores é outro fator que necessita ser ressaltado, em que cada personagem tem sua tonalidade definida. Isso evoca as histórias em quadrinhos, a pedra angular da trama, com heróis e vilões dando vivacidade às páginas. E no capítulo derradeiro de seu universo compartilhado, Shyamalan optou por utilizar variados ângulos de câmeras, o que pode enriquecer ou prejudicar a experiência da exibição, dependendo do ponto de vista do espectador. Essa opção não diminui o talento do diretor, tampouco é um demérito, fazendo com que Vidro seja ainda mais heterogêneo que seus antecessores.

Infelizmente, não são todos que se agradam com o estilo de Shyamalan. Vidro chegou em uma época na qual o público está acostumado com filmes de herói que possuem grandiosas cenas de ação e efeitos especiais estonteantes. Fórmula fácil de seguir. Shyamalan vai no sentido oposto, pois Vidro não tem nada disso. O diretor, com sua mania de plot twists, é mestre em manipular o público, em nos enganar, em criar expectativas, em sugerir uma coisa e no final nos entregar algo que não queríamos ver – e ele parece se divertir com isso. 

Grande parte do filme se passa no hospital psiquiátrico (Foto: Divulgação)

Portanto, o clímax de Vidro, composto por três reviravoltas – das quais apenas duas funcionam –, perde a força que deveria ter e a chance de alcançar a apoteose que esses icônicos personagens mereciam. O roteiro acrescenta um novo elemento à mitologia, mas o item desaponta por não ter sido apresentado anteriormente, nem ao menos de maneira sutil, e é derrubado logo em seguida. E mais: David Dunn, o herói da trilogia, é quem tem menos tempo em tela e a sua memorável trilha sonora, composta por James Newton Howard em Corpo Fechado, é tocada somente uma vez em toda a projeção. Considerando que muitos heróis são lembrados pelas músicas que os acompanham, caso de Superman, essa foi uma das escolhas errôneas e frustrantes da produção.

Anya Taylor-Joy, que reprisa o papel de Casey Cooke, torna-se coadjuvante juntamente com o filho de David e a mãe de Elijah; outra estratégia particular de Shyamalan, levando em conta a importância concedida ao trio no final. A conclusão de Vidro gera mais de uma interpretação e sensação em quem esperou tanto pelo desfecho da trilogia. É sério que Shyamalan aguardou 19 anos para encerrar deste jeito? Agora que ele expandiu os fatos, podemos esperar mais vindo por aí? São apenas uma das indagações que vão permear a cabeça do público.

Com as boas histórias contadas em Corpo Fechado e Fragmentado, Shyamalan tinha a faca e o queijo na mão. Vidro é agradável de assistir e tinha um potencial extremo para ser melhor. Era a oportunidade perfeita de criar uma obra-prima. Porém, o diretor nunca foi convencional e é certo que a Trilogia do Trem 177, analisada tanto de modo individual quanto coletivo, acrescentou uma nova visão ao gênero de heróis no cinema. É uma verdadeira ode aos quadrinhos.

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