Corra! - Crítica
Por Gabriela Severiano
Entrou em
cartaz nos cinemas de Natal há três semanas o terror Corra!, da mente do jovem diretor e comediante Jordan Peele. O enredo do filme é sobre um casal inter-racial,
Chris (Daniel Kaluuya, "Black
Mirror") e Rose (Allison Williams,
"Girls"), que vai passar um final de semana na casa dos pais da moça,
que é branca. Sua família se diz progressista, o pai de Rose diz que votaria em
Obama por uma terceira vez, mas os empregados da casa são negros, algo pelo
qual o pai de Rose se desculpa – "é
tão clichê", ele diz.
Apesar de acolhedora, Chris consegue sentir
algo estranho desde o começo, os empregados que agem de forma muito esquisita e
o único outro negro que ele encontra à parte, em uma festa dominada por brancos
de classe média, também lhe causa uma má impressão - nenhuma das referências
que Chris faz à cultura de sua raça e idade em comum é capitada pelo seu
interlocutor. A partir daí, a forma como os elementos se mostram vão pouco a
pouco alarmando Chris e levam a uma revelação surpreendente, bem feita e
empolgante (ou assustadora) de assistir, apesar de um detalhe-chave da
conclusão ficar meio deslocado, parecendo algo não tão bem elaborado usado
apenas para encerrar a história.
Corra! se enquadra no chamado thriller social, um subgênero do terror
em que o antagonismo vem da sociedade e explora algum tema social; um exemplo
deste subgênero é Louca Obsessão
(1990) e como ele explora a obsessão na história de uma fã que sequestra seu
escritor favorito. São esses elementos que a estreia de Jordan Peele na direção
cinematográfica traz de algo vibrante e original, além da forma como ele
engloba o tema que pretende discutir - o racismo.
O que
fica mais interessante é como o racismo é incorporado na
história sem ser o assunto do filme; não há racismo explícito como
justificativa, mas há a insegurança de pessoas negras quando estão em menor
número em um grupo predominantemente branco, em uma situação que acaba
realmente sendo de perigo; e um tipo de racismo mais sutil, dos liberais
progressistas que se dizem não serem racistas. Peele revelou que concebeu a
ideia para o roteiro de Corra!
durante a eleição presidencial americana de 2008, especificamente no momento
que Barack Obama e Hillary Clinton disputavam para representar o partido
Democrata - na época, o racismo e o machismo se enfrentavam nas discussões
sobre os candidatos, o que fez o diretor pensar nos direitos civis de ambos os
grupos. Tendo quase uma década se passado desde a eleição de Obama e
considerando a eleição de Trump e o movimento “Black Lives Matter” (vidas negras importam), muitas das promessas
que a eleição do primeiro presidente negro trouxe não se cumpriram; o problema
racial que parecia ter passado ainda existe, como provado no filme.
Um detalhe interessante na estranheza dos
personagens negros é que eles agem de uma forma como as pessoas negras já foram
representadas muitas vezes no cinema: o negro feliz em servir o branco, mas
ficando claro o quanto este comportamento naturalmente submisso é surreal, o
que também é colocado em contraste com o personagem de Chris, um fotógrafo bem-sucedido
- um artista que consegue viver do seu trabalho - o tipo de personagem
interpretado quase sempre por um ator branco. O que traz satisfação ao público
em Corra!, além da criatividade e de
ser assustador, é como ele pode parecer moderno trazendo uma discussão retomada
nos últimos anos e a quebra do tão repetitivo padrão, que tanto pelo cansaço
quanto pela falta de representatividade, não agrada mais o público.
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