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Vivemos numa simulação? O quê é teorizado na nova era do Muse

Ainda estamos num cenário caótico, mas agora temos de acreditar que vai dar certo

Por Hilda Vasconcelos 

Capa do álbum

A quem esperava um álbum com gostinho do Muse do Showbiz (1999), Origin Of Symmetry (2001), Absolution (2003), Black Holes & Revelations (2006) e The Resistance (2009), pode se preparar para ter suas expectativas quebradas, assim como eu. O mais recente lançamento do trio britânico, o Simulation Theory, disponível desde o dia 9 de novembro para download em diversas plataformas de streaming, praticamente foge a tudo o que escutamos da banda até hoje, superando até Drones (2015), que recebeu críticas severas.

Como em um pulo de bungee-jump, Matt Bellamy (vocal, guitarra e piano), Chris Wolstenholme (baixo, voz secundária e teclado) e Dom Howard (bateria e percussão), saltaram de um disco cheio de solos marcantes e um rock típico, retratando temas como ecologia profunda, a tradicional crítica do vocalista ao controle do pensamento da população pelas tecnologias mais recentes - mais especificamente, dessa vez, os drones -, a falta de empatia e a Terceira Guerra Mundial. Este salto os leva a uma aventura pelos cenários imaginados na infância, como ficção científica e temas nostálgicos. A “Teoria da Simulação” propõe a hipótese de que nossas vidas, na realidade, são frutos de uma simulação, mas não somos conscientes disso. A ideia vem diretamente do Gênio maligno de René Descartes, mas postula uma realidade simulada mais futurística. 

Com o som e uma vibe muito peculiar à década de 1980, já se percebe na própria capa, que teve como designer Kyle Lambert (responsável pela identidade visual da série Stranger Things, da Netflix) que Simulation Theory é completamente diferente de quase tudo que o Muse lançou até hoje. Desde que a vi, desconfiei do que estaria por vir, pelo simples fato dos membros da banda aparecerem nela - o que não havia acontecido em nenhuma das anteriores. São 11 canções na versão standard que retratam, ainda que num cenário de terror, um sentimento de esperança. Há também a versão Super Deluxe, com o acréscimo de 10 faixas, em versões acústicas ou alternativas.

A banda deixou claro que podíamos esperar sua ousadia ao lançar o primeiro single, Dig Down, cheio de referências ao clássico Freedom 90, de George Michael. Logicamente, choveram críticas dos próprios fãs, que queriam seu bom e velho Muse, com seus solos de guitarra épicos e suas linhas de baixo marcantes. No entanto, como bem sabemos, seus integrantes são teimosos e foram até o fim para nos provar que sim, Muse pode mudar, mas continuará sendo o Muse, e que, acima de tudo, nós nunca devemos subestimar a capacidade deles de surpreender o público com uma abordagem inédita, mas ainda assim estranhamente agradabilíssima.

Apesar de independentes entre si, percebe-se que, da primeira faixa em diante, é percorrido um caminho, é contada uma história: “Isso significa guerra com seu criador / Recarregue, saia” é o refrão de Algorithm, que conta com uma forte parte instrumental, desde seu início. Narrada em primeira pessoa, The Dark Side clama por liberdade (Solte-me, solte-me, deixe-me fugir / Solte-me, solte-me, me liberte), com uma melodia emocionante (e o melhor solo do álbum)*. Pressão acumulada é o tema da terceira música da tracklist. Proveniente de toda a experiência vivida, e mostrando, aos poucos, o personagem conquistando sua emancipação, Pressure tem um ritmo menos melancólico e representa bem essa trajetória. 
Matt, Dom e Chris/Divulgação
Propaganda quase desvia desse caminho, já que o personagem revela sua fraqueza diante das provocações veladas de alguém ou algo (não fica implícito), além de lembrar muito o estilo das músicas do cantor Prince. Outro instrumental que merece destaque é o de Break It To Me, por não fugir ao rock e contar com guitarras agradáveis. A visão que se pode ter a partir de sua letra é a de alguém que tem dificuldades para superar obstáculos, prisões (físicas ou não), e que procura ajuda para que possa quebrar o peso que o obstáculo realmente tem, para que ele possa, assim, começar uma mudança. 

Chegamos, a este ponto, num momento em que o narrador inicia sua superação, carregado de esperança e determinação, e que, agora, não está mais sozinho. Something Human mostra essa busca alguém para ter ao lado e enfrentar os desafios, e não mais se acomodar numa situação que tanto faz mal. Este foi outro dos singles lançados previamente ao álbum, e, pessoalmente, seu som me lembrou uma mistura de Coldplay, One Direction e Imagine Dragons - por este motivo, apesar da composição ser bonita, a canção não me conquistou como as demais.

Quando, finalmente, pensamos que está tudo resolvido, vem Thought Contagion e nos mostra o contrário: com uma melodia mais dark, são apresentados mais desafios a serem experienciados, desta vez a ameaça sendo os que contaminam nossos pensamentos com suas visões alienante. É o contágio de pensamento: “Eles nunca vão fazer o que você quer que eles façam, desista e veja-os seguir em frente, é tarde demais para uma revolução, prepare-se para a solução final”. 

Chega a hora em que nos perguntamos: “É o que, Muse?”, e esta hora é a de Get Up and Fight, parceria com a cantora Tove Lo. O ritmo ainda é uma mistura exótica, ao meu ver, mas amor ainda é sua resistência, no final das contas. Blockades, que vem em seguida, fala sobre quebrar os bloqueios que nos cercam nesta simulação que é a vida. Esta música sim, traz memórias nostálgicas do Origin, Absolution, Black Holes e até um pouco do The 2nd Law.

Antecedida por Dig Down, que traz toda a mensagem positiva de se reerguer e ter fé para continuar, The Void fecha, com chave de ouro, o produto base da nova era do grupo. “Eles estão errados” é uma frase insistidamente repetida, com o intuito de mostrar que, embora ainda presos numa simulação, eles podem sim sair dela. “É preciso um salto de fé para despertar dessas ilusões / Você é o programador e avatar, uma estrela” é a mensagem final de esperança e resistência, mostrando que não se deve desistir de lutar.
Matt, Dom e Chris/Divulgação

Na versão Super Deluxe do disco, disponível em plataformas de streaming diversas, somos contemplados e contempladas com versões alternativas e arrepiantes de Algorithm e The Dark Side. Além disso, Pressure com a participação especial da banda da UCLA Bruin (times atléticos que representam a Universidade da Califórnia) dá mais um toque especial ao que, a esta altura, se tornou um dos melhores álbuns do Muse. No mais, temos versões acústicas de Propaganda, Something Human e The Void, um remix de Break It To Me, uma live de Thought Contagion, e, para completar, uma versão acústica emocionante de Dig Down, com um coral Gospel. Ah, The Dark Side em realidade alternativa também. Foi pra matar os fãs de orgulho mesmo, e passar em nossas caras que, mesmo com todas as críticas, eles sabem o que estão fazendo, sempre.


Nota: 9/10

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