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Chester Bennington: perdemos muito mais que um vocalista

Por SĂ©rgio Oliveira


O mundo foi pego de surpresa nesta quarta-feira (20) com o anĂșncio da morte do vocalista da banda Linkin Park, Chester Bennington. Para os fĂŁs do cantor e do grupo, o baque foi tremendo, e muita gente se negou a acreditar que aquilo realmente aconteceu. E olha, eu estava neste grupo de pessoas. A ficha sĂł começou a cair de verdade quando vi um tweet do Mike Shinoda confirmando que a tragĂ©dia era real e que perdemos uma das melhores vozes do Rock deste milĂȘnio.

Vi muita gente se lamentando e lembrando "dos tempos de Linkin Park" com palavras carregadas com um tiquinho de nostalgia, como se o gosto pela banda tivesse ficado no passado. E isso me soou intrigante, principalmente porque ainda me considero um grande fĂŁ de LP e do mĂșsico, que me ajudaram a descobrir um pouco quem eu sou e na minha formação quanto indivĂ­duo.

Longe de ser uma espĂ©cie de dĂ­vida para com eles, o carinho que tenho por Linkin Park Ă© simplesmente por ela ser, atĂ© hoje, uma das minhas bandas favoritas. NĂŁo consigo lembrar de, antes do surgimento da banda, com "Hybrid Theory" em 2000, classificar um mĂșsico ou banda dessa forma. Naquela Ă©poca, ouvia muito The Offspring, Red Hot Chilli Peppers e praticamente tudo o que a MTV "empurrava" para um adolescente consumir no Disk MTV. Mas foi realmente a ascensĂŁo dessa banda californiana que me fez cair de cabeça no Rock - ou no New Metal, se vocĂȘ preferir. E isso aconteceu graças Ă  proposta da banda.

JĂĄ nos pouco mais de trĂȘs minutos de "Papercut", primeira faixa do ĂĄlbum de estreia, os ingredientes para conquistar a garotada com seus 14, 15 anos de idade naquela Ă©poca sĂŁo apresentados: efeitos eletrĂŽnicos, guitarras pesadas, teclados, rap e um vocal rasgado aqui e acolĂĄ. "One Step Closer", por sua vez, explora mais o lado rockeiro da banda e abre espaço para Chester mostrar todo o poder de sua voz, vezes suave, nos momentos melĂłdicos; vezes gutural, em momentos mais fortes. Pronto, ouvir essas duas faixas Ă© mais que suficiente para ser "fisgado" e se deixar levar. Mas quem vai adiante descobre algo ainda melhor ao ouvir a contagiante "In The End", faixa que sacramentou a banda por fundir com maestria todos os elementos que aparecem no CD.


Bastou um Ășnico disco para Linkin Park ser alçada ao topo das paradas e despontar como banda favorita de milhĂ”es de jovens. Apesar de nĂŁo poder falar por todos, arrisco-me a dizer que isso aconteceu por a banda ter surgido numa Ă©poca de transição tanto da mĂșsica quanto da juventude nascida no fim dos anos 1980 e inĂ­cio dos 1990. Para ambas, isso significou experimentar, tentar e errar para criar algo novo, para se descobrir. Especificamente no meu caso, os vocais de Chester se tornaram muito mais do que apenas uma marca registrada do grupo e passaram a representar toda a frustração, inquietação e confusĂŁo que eu queria gritar, pĂŽr para fora, enquanto adolescente e nĂŁo podia. Hoje, aquela mesma voz me dĂĄ forças para enfrentar um dia difĂ­cil de trabalho, combater o desĂąnimo e tirar energia quando todas as reservas jĂĄ se esgotaram.

Refletir sobre isso Ă© ao mesmo tempo interessante e doloroso. Interessante porque Ă© uma clara evidĂȘncia de que os anos nos fazem amadurecer, enxergar e interpretar as coisas de uma maneira diferente. Doloroso porque o cara que me acompanhou nesse amadurecimento e atĂ© hoje me dava forças simplesmente viu a vida desistir dele e nĂŁo resistiu.

Antes de se tornar a voz do Linkin Park, Chester teve uma infĂąncia conturbada e foi abusado sexualmente por um amigo da famĂ­lia dos sete aos 13 anos. Depois, levou uma vida miserĂĄvel assando hambĂșrgueres para conseguir dinheiro para comprar drogas e ĂĄlcool. Descoberto por Mike Shinoda, ele deu a volta por cima, embora a depressĂŁo sempre estivesse Ă  espreita. Somente com um certo grau de maturidade vocĂȘ passa a nĂŁo sĂł admirar e respeitar essa histĂłria de superação, mas tambĂ©m a entender a evolução da pessoa Chester e da banda Linkin Park a cada disco lançado.

Depois de "Hybrid Theory" vieram muitos outros discos, e falar de todos eles tornaria este texto extremamente longo. EntĂŁo vou me ater Ă queles que ainda hoje conversam tanto com aquele adolescente que ainda hĂĄ dentro de mim quanto com o adulto que hoje escreve isto com um pesar tremendo.

Lançado em 2003, "Meteora" explodiu nas paradas de sucesso trazendo basicamente a mesma fórmula do disco anterior. Apesar disso, faixas como "Easier to Run", "Breaking the Habit" e "Nobody's Listening" privilegiam mais os efeitos eletrÎnicos num ritmo mais cadente e numa pegada mais melódica, dando os primeiros sinais de que eles queriam fazer algo diferente.


Em "Minutes to Midnight", de 2007, Linkin Park traz um novo ingrediente Ă  sua fĂłrmula: o pop. Os berros potentes de Chester continuam conversando com o jovem que existe dentro de cada um de nĂłs em faixas como "Given Up", "Bleed it Out" e "No More Sorrow", mas Ă© nas quase baladinhas "Leave Out All The Rest", "Shadow of the Day" e "Valentine's Day" que ele dĂĄ sinais de seu amadurecimento como cantor e pessoa. Horas mais sereno, horas mais soturno, Chester deixa a indignação de um adolescente de lado e, aos poucos, amadurece como qualquer outra pessoa. É quase como se ele tivesse encontrando seu lugar de quietude.


Cinco anos depois, com "LIVING THINGS", eles inovaram e evoluĂ­ram ainda mais, trazendo letras mais complexas num disco que Ă© considerado "Linkin Park puro". Aqui, a fĂłrmula que consagrou a banda entre adolescentes inconformados e rebeldes foi quase que inteiramente deixada de lado e, pela primeira vez, a banda se assumiu como adulta. E, como todo mundo sabe, a vida adulta Ă© cheia de altos e baixos, de alegrias e decepçÔes -- algo bastante evidente neste CD. "Lost in the Echo", "In My Remains" e "Burn it Down" ainda trazem resquĂ­cios do passado e faz muita gente reviver bons momentos que ficaram para trĂĄs. "Lies Greed Misery" mistura um pop quase ao estilo Black Eyed Peas com vocal gutural e o resultado nĂŁo Ă© lĂĄ dos melhores - Ă© quase que aquela crise que todo mundo passa na busca pelo primeiro emprego. "Castle of Glass" pode ser comparada com o emprego que vocĂȘ arranja, mas nĂŁo Ă© na sua ĂĄrea de formação. Ele estĂĄ ali, lhe serve bem, mas passa longe daquilo que vocĂȘ realmente gosta. De "Roads Untraveled" em diante o ritmo do ĂĄlbum desacelera e Ă© quase como se tivĂ©ssemos nos assentado na vida, do jeito certo ou errado - vocĂȘ Ă© quem vai dizer.


As mudanças nĂŁo pararam e resultaram em "One More Light", Ășltimo disco lançado pela banda neste ano de 2017. Nele, quase nĂŁo conseguimos identificar aquela banda nervosa, com guitarras pesadas e berros guturais. Tudo isso ficou para trĂĄs e deu lugar a um som mais brando, atĂ© certo ponto duvidoso, que abandona o barulho do rock e se alia ao pop e Ă  mĂșsica eletrĂŽnica. É Linkin Park? É, sim! As letras complexas continuam ali e falam de temas obscuros. Houve uma evolução natural no jeito de a galera fazer som, da mesma forma que crescemos, amadurecemos e mudamos o nosso jeito de abordar e resolver um problema. Nesta nova pegada, que nĂŁo surpreende tanto quem acompanhou a evolução da banda todos esses anos, Chester parece ter encontrado a paz, embora ainda lide com problemas complexos, de maneira mais serena, como fica evidente em mĂșsicas como "Nobody Can Save Me" e "Heavy".


E Ă© justamente por essa sensação de que a banda e Chester sempre estiveram em busca de seu lugar de paz, fazendo o que gostavam, que a morte do cantor pegou muitos fĂŁs de surpresa. Afinal de contas, quem imaginava que as coisas estavam tĂŁo ruins a esse ponto? Imaginar Linkin Park sem a sua voz Ă© difĂ­cil. A banda jĂĄ cancelou a turnĂȘ que começaria daqui a uma semana, e todos nos perguntamos como ela seguirĂĄ daqui em diante - ou se vai continuar existindo.

A tristeza de termos perdido uma das maiores vozes do rock deste milĂȘnio Ă© inevitĂĄvel. Que, entĂŁo, ele encontre a paz e serenidade que nunca conseguiu em vida onde quer que esteja. Sentiremos sua falta, Chester!

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