Novidades

Muito além de um mero personagem

Por Evandro Ferreira

Se ao longo da história da televisão brasileira as telenovelas possuem um notório papel de caráter modelador na forma de se enxergar como brasileiro, a representatividade das pessoas negras na telinha sempre será um ponto de questionamento contundente. 

Elenco de Segundo Sol
A mais recente polêmica gira em torno de Segundo Sol, próximo folhetim da Rede Globo, que estreou nessa segunda-feira, 14. Assinado pelo consagrado João Emanuel Carneiro e com direção de Dennis Carvalho, o novo teledrama chama atenção por se passar na Bahia e possuir uma ausência gritante de personagens representativos; de 26 nomes escalados para a novela apenas três são negros. 
Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2013, foi constatado que 17,1% dos habitantes da Bahia se declaravam negros, colocando o estado com o maior índice de negros no país. 

Diante do estranho cenário, o que deve ser observado é a lógica massacrante da abertura das vagas, ou melhor dizendo, para quem são abertas as oportunidades no meio artístico. A opressão nesse caso é fruto da sistemática artística que domina os grandes meios de comunicação. 

Atriz Viola Davis
Em setembro de 2015, a atriz Viola Davis resumiu divinamente a variável da questão. Em seu discurso na premiação do Emmy, ela disse: “A única coisa que diferencia as mulheres negras de qualquer outra é a oportunidade”. Na ocasião, Davis foi a primeira atriz negra a receber o prêmio na categoria Melhor Atriz de drama, ela conquistou esse novo patamar em sua carreira pela sua atuação em How to Get Away with Murder da ABC.

Em nossa realidade tupiniquim, o xis da questão é o mesmo: o desencontro de atuação e lugar de atuação na novela da Globo é resultado da falta de oportunidades para atores negros. Por consequência, gera a falta de coerência na escalação. 

Novela Xica da Silva
A primeira telenovela brasileira cuja protagonista era uma mulher negra foi Xica da Silva da extinta Rede Manchete. Contando a da icônica ex-escrava mineira, o folhetim era recheado de apelo sexual, acabando que por objetificar o corpo negro e assim reforçar os diversos preconceitos que existiam na época e que duram até hoje. A protagonista foi vivida por Taís Araújo que tinha apenas 18 anos em 1996 - ano que a novela foi exibida. 

Em muitos casos o protagonismo existe, no entanto, a tentativa de se fazer diferente acaba não dando certo. Em 2009, no horário das 21h, era exibida a telenovela Viver a vida, escrita por Manuel Carlos, coube mais uma vez a Taís Araújo fazer o papel principal. 

Era um marco nas novelas do autor, conhecido por sempre ter uma Helena como protagonista; dessa vez o papel era feito por uma jovem mulher negra. Em 209 capítulos conhecemos a história de uma modelo lidando com decisões sobre aborto e a carreira profissional. Na época, a atuação de Taís foi massacrada pela crítica especializada, o que fez com que a presença da personagem fosse apagada da trama. 

Por outro lado, uma sitcom da Globo tem chamado atenção justamente por fazer o inverso do que é habitual. Atualmente exibida nas noites de terça-feira, Mister Brau é uma criação de Jorge Furtado e conta a história de Brau, interpretado por Lázaro Ramos, que dá vida a um cantor em ascensão. Junto com a sua esposa Michele, vivida pela já conhecida Taís Araújo, eles passam pelas mais diversas situações com o objetivo de lidar com a fama. Vale dizer que nessa produção os protagonistas e parte da equipe de roteiristas são compostas por pessoas negras. 

A única coisa que parece mesmo ter mudado é a luta de grupos organizados que reivindicam o seu espaço nas produções audiovisuais. A grande polêmica sobre a escalação de Segundo Sol fez com que o Ministério Público do Trabalho (MPT) notificasse a Globo por causa da situação. 

Além de cobrar mudanças na novela, a recomendação prevê outras medidas que objetivam realizar uma promoção de igualdade racial na empresa. A mais emblemática medida quer que a emissora crie um plano de ação que preveja a inclusão e remuneração igual para todas as raças, inclusive no jornalismo. 

No ultimo domingo, 13 de maio, a sociedade brasileira completou 130 da abolição da escravidão com a assinatura da Lei Áurea, um marco na luta dos povos negros do Brasil. Situações equivocadas, como a que aconteceu no folhetim da Globo, mostra que a escravidão nos tempos atuais também está na falta de representatividade na televisão, reflexo de um passado que nem 130 anos foram capazes de apagar.

Nenhum comentário