Muito além de um mero personagem
Por Evandro Ferreira
A mais recente polêmica gira em torno de Segundo Sol, próximo folhetim da Rede Globo, que estreou nessa segunda-feira, 14. Assinado pelo consagrado João Emanuel Carneiro e com direção de Dennis Carvalho, o novo teledrama chama atenção por se passar na Bahia e possuir uma ausência gritante de personagens representativos; de 26 nomes escalados para a novela apenas três são negros.
Em setembro de 2015, a atriz Viola Davis resumiu divinamente a variável da questão. Em seu discurso na premiação do Emmy, ela disse: “A única coisa que diferencia as mulheres negras de qualquer outra é a oportunidade”. Na ocasião, Davis foi a primeira atriz negra a receber o prêmio na categoria Melhor Atriz de drama, ela conquistou esse novo patamar em sua carreira pela sua atuação em How to Get Away with Murder da ABC.
A primeira telenovela brasileira cuja protagonista era uma mulher negra foi Xica da Silva da extinta Rede Manchete. Contando a da icônica ex-escrava mineira, o folhetim era recheado de apelo sexual, acabando que por objetificar o corpo negro e assim reforçar os diversos preconceitos que existiam na época e que duram até hoje. A protagonista foi vivida por Taís Araújo que tinha apenas 18 anos em 1996 - ano que a novela foi exibida.
Se ao longo da história da televisão brasileira as telenovelas possuem um notório papel de caráter modelador na forma de se enxergar como brasileiro, a representatividade das pessoas negras na telinha sempre será um ponto de questionamento contundente.
Elenco de Segundo Sol |
Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2013, foi constatado que 17,1% dos habitantes da Bahia se declaravam negros, colocando o estado com o maior índice de negros no país.
Diante do estranho cenário, o que deve ser observado é a lógica massacrante da abertura das vagas, ou melhor dizendo, para quem são abertas as oportunidades no meio artístico. A opressão nesse caso é fruto da sistemática artística que domina os grandes meios de comunicação.
Atriz Viola Davis |
Em nossa realidade tupiniquim, o xis da questão é o mesmo: o desencontro de atuação e lugar de atuação na novela da Globo é resultado da falta de oportunidades para atores negros. Por consequência, gera a falta de coerência na escalação.
Novela Xica da Silva |
Em muitos casos o protagonismo existe, no entanto, a tentativa de se fazer diferente acaba não dando certo. Em 2009, no horário das 21h, era exibida a telenovela Viver a vida, escrita por Manuel Carlos, coube mais uma vez a Taís Araújo fazer o papel principal.
Era um marco nas novelas do autor, conhecido por sempre ter uma Helena como protagonista; dessa vez o papel era feito por uma jovem mulher negra. Em 209 capítulos conhecemos a história de uma modelo lidando com decisões sobre aborto e a carreira profissional. Na época, a atuação de Taís foi massacrada pela crítica especializada, o que fez com que a presença da personagem fosse apagada da trama.
Por outro lado, uma sitcom da Globo tem chamado atenção justamente por fazer o inverso do que é habitual. Atualmente exibida nas noites de terça-feira, Mister Brau é uma criação de Jorge Furtado e conta a história de Brau, interpretado por Lázaro Ramos, que dá vida a um cantor em ascensão. Junto com a sua esposa Michele, vivida pela já conhecida Taís Araújo, eles passam pelas mais diversas situações com o objetivo de lidar com a fama. Vale dizer que nessa produção os protagonistas e parte da equipe de roteiristas são compostas por pessoas negras.
A única coisa que parece mesmo ter mudado é a luta de grupos organizados que reivindicam o seu espaço nas produções audiovisuais. A grande polêmica sobre a escalação de Segundo Sol fez com que o Ministério Público do Trabalho (MPT) notificasse a Globo por causa da situação.
Além de cobrar mudanças na novela, a recomendação prevê outras medidas que objetivam realizar uma promoção de igualdade racial na empresa. A mais emblemática medida quer que a emissora crie um plano de ação que preveja a inclusão e remuneração igual para todas as raças, inclusive no jornalismo.
No ultimo domingo, 13 de maio, a sociedade brasileira completou 130 da abolição da escravidão com a assinatura da Lei Áurea, um marco na luta dos povos negros do Brasil. Situações equivocadas, como a que aconteceu no folhetim da Globo, mostra que a escravidão nos tempos atuais também está na falta de representatividade na televisão, reflexo de um passado que nem 130 anos foram capazes de apagar.
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