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Eu não sou um homem fácil - Crítica

Por Maria Clara Pimentel




Um mundo onde valores e papéis são permutados, onde as mulheres estão no poder e os homens são os subjugados da história; uma dimensão na qual, em jogos de pôquer, as rainhas do baralho valem mais do que os reis. Convenções aceitas e, assim, consideradas perfeitamente normais na nossa sociedade são invertidas em um universo paralelo vivenciado por um machista (aparentemente) incorrigível.

Essa é a realidade que o filme francês que estreou dia 13 de abril na Netflix critica tão ferozmente. Desde nomes de ruas sendo mudadas para nomes de mulheres, até a crença de que nem mesmo Jesus era considerado o grande herói bíblico, mas sim Maria.

A belíssima direção de Eléonore Pourriat, pensada nos mínimos detalhes, causa uma estranheza que dá gosto, ao ver todos os paradigmas sociais e de gênero sendo quebrados. Além disso, a crítica que ela faz é ainda mais ferrenha quando praticamente todas as ações machistas – por menores que sejam – apresentadas enquanto o personagem ainda estava em seu universo verdadeiro, vêm invertidas para assombrá-lo na realidade paralela – a qual ele adentra ao bater com a cabeça em um poste.

A comédia começa com Damien (Vincent Elbaz) criança, futuro machista de dar nojo, se oferecendo para substituir a menina que representaria a Branca de Neve em uma peça na escola. Com toda a sua inocência, é motivo de chacota pelos colegas e até pelos pais dos alunos que assistem, demonstrando que sua personalidade extremista - quando fica adulto - não nasceu assim, mas foi fruto de uma construção social.

O destaque do filme está nas alterações de papéis. As mulheres são as provedoras, em relações heteroafetivas; elas que “podem fazer de tudo”, enquanto os homens só baixam a cabeça; elas que “maltratam” seus maridos, abusando psico e fisicamente deles. Isso é especialmente representado pelo casal amigo de Damien: Christophe (Pierre Bénézit) e Lolo (Céline Menville).

A confusão do personagem é tão grande quando chega nessa nova dimensão, que ele resiste fortemente à realidade daquele universo, na qual as mulheres estão completamente no controle. Desse modo, ele começa a agir igual às feministas do nosso mundo – na trama, como um “masculinista” -, e é assim que ele detém a atenção da escritora Alexandra (Marie-Sophie Ferdane), que vê inspiração e passa a escrever um livro sobre ele.

Típicos questionamentos machistas da nossa sociedade são trazidos à tona, sendo que no sentido contrário, levando o telespectador a refletir sobre pequenos atos. Como quando Alexandra pergunta a Damien o que o incomoda tanto sobre as mulheres serem o “sexo forte”: se é o fato de não usar terno, de a mulher normalmente trazer a bebida para ele ou abrir a porta do carro para ele entrar.

A fotografia belíssima, que se estende por todo o filme, também é genial. As cores tendem mais para o rosa a partir do momento em que Damien chega ao universo paralelo, trazendo um ar mais romântico e, de certa forma, feminino. Tendo em vista, principalmente, que o mundo que está sendo retratado é dominado exclusivamente pelas mulheres. É como se até mesmo a atmosfera, as cores das ruas e de todas as coisas estivessem sob o controle delas.

Por fim, Eu não sou um homem fácil traz questões muito recorrentes e importantes de serem analisadas e, assim, refletidas na nossa sociedade - melhor ainda se por meio de clima descontraído, deitado no sofá. (Sua composição incrível torna esse trabalho ainda mais fácil, acredite.) É o tipo de filme que todos deveriam ter o prazer de assistir algum dia – e, para o bem da nossa sociedade, o quanto antes possível.

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